Solange Mendonça Leite
A variabilidade climática é influenciada tanto por factores naturais como por factores antropogénicos. Sendo um processo natural, ocorre numa vasta gama de escalas. Desde a década de 70 que alguns cientistas se têm vindo a interessar pela a influência que alguns factores de origem antropogénica podem ter na alteração do clima, entre elas especialmente a queima de combustíveis fósseis. Alguns autores têm defendido a tese de que estes factores estão a causar alterações sem precedentes no sistema climático, conduzindo a uma subida da temperatura média global à superfície até níveis muito elevados, sem paralelo nas últimas centenas de anos. Além disso, esses autores defendem que essas alterações podem ocorrer muito rapidamente, ainda na primeira metade do século presente ou estão mesmo já a ocorrer (Santos e Miranda, 2006).
Mas será que os registos históricos dos elementos climáticos mais importantes em Portugal confirmam este cenário catastrófico? Pretendemos, nesta apresentação, investigar alguns desses registos e dar uma resposta fundamentada cientificamente a essa pergunta.
Este trabalho debruça-se sobre a variação da temperatura e da precipitação em Portugal, tanto no domínio do espaço como no domínio do tempo, ao longo do último século e meio e, entre outras coisas, pretende responder à questão de saber se as variações observadas representam ou não uma tendência estatisticamente significativa. Uma vez que tanto a temperatura, como a precipitação, como outros elementos climáticos, podem variar substancialmente de um ano para o outro, ou de uma década para a outra, numa determinada região, torna-se frequentemente muito difícil distinguir entre o surgimento de uma tendência importante e uma mera oscilação natural do padrão climático. Do nosso ponto de vista, é esta dificuldade que tem levado alguns autores a defender uma tendência de aquecimento linear, com o consequente estabelecimento de cenários futuros catastróficos.
Em virtude do perigo anunciado de grandes alterações climáticas, torna-se imperiosa uma investigação rigorosa e descomprometida da variabilidade do clima, não só procurando as próprias alterações, mas também identificando a sua natureza, as suas causas e a taxa de ocorrência. Para cumprir este objectivo, estimamos os espectros de densidade de potência das séries da temperatura média anual, temperatura máxima e mínima e precipitação anual acumulada em quatro estação meteorológicas históricas em Portugal. Para além das oscilações de períodos 2, 3, 4, 7, 11 e 22 anos, por nós já identificadas anteriormente, associadas a padrões de teleconexão globais tais como QBO, NAO, ENSO e ciclo solar (Leite e Santos, 1998), os espectros permitiram a identificação de pelo menos uma oscilação em cada série climática analisada com período entre 30 e 50 anos. As séries climáticas de Lisboa, com os seus 165 anos de registo contínuo, tornaram possível a identificação de uma oscilação com período de cerca de 70 anos nas séries anuais da temperatura máxima e mínima e também na série da precipitação anual acumulada.
Torna-se imperioso notar que estas oscilações naturais de período longo mascaram registos climáticos de curta duração, com 30/40 anos, parecendo tratar-se de uma tendência linear, como é apresentado por Santos e Miranda (2006) mas que não o é de facto. Assim, há que ter muito cuidado quando se conclui apressadamente por um aquecimento global de origem antropogénica com base em séries climáticas de tão curta duração.
Os registos climáticos de longa duração e boa qualidade em que baseamos esta apresentação, não só evidenciam a variabilidade natural dos campos da temperatura e da precipitação ao longo do último século e meio, como também proporcionam uma base sólida para a interpretação de variações futuras.